Caminho pelos corredores do centro cirúrgico, devidamente paramentado com uma touca, protetores de pés, um avental que não cobre a parte de trás do corpo (bunda, ou onde ela deveria estar) à mostra, acompanhado por uma enfermeira que não conheço, indo dois médicos à frente. O - pra usar o linguajar técnico deles - procedimento que será realizado é a retirada de um catéter de tenckhoff que, por vontade própria, parou de funcionar, impedindo a realização do tratamento chamado diálise peritoneal que fazia em casa com certo conforto. Enfim, dizem os médicos à minha frente.
Médico 1 - Já retirou um catéter de tenckhoff?
Médico 2 - Não, e você?
Médico 1 - Nunca.
Médico 2 - Onde está o anestesista?
Médico 1 - É local.
Médico 2 - Tem certeza?
Médico 1 - Vamos tentar. Se não der, a gente vê.
Senti-me absolutamente confiante!
Médico 1, dirigindo-se a um Cirurgião Vascular - Sabe retirar um catéter de tenckhoff?
Cirurgião - Tiro em 2 minutos. (Mas não se mexe de onde está)
Médico 1 - Vamos lá!
Médico 3 entra na sala de cirurgia - O que é?
Médico 1 - retirada de catéter de tenckhoff. Já fez?
Médico 3 - Já. É fácil. (comenta em poucas palavras o procedimento).
Médico 1 - E anestesia?
Médico 3 - Faz só o bloqueio. (Leigamente, anestesia local)
Eu - Pra colocar, eu fui adormecido.
Médico 3 - Mas retirou um e colocou outro no mesmo procedimento?
Eu - Sim.
Médico 3 - Então, é isso mesmo. Pra retirar, só o bloqueio.
Médico 1 - Vamos começar.
Médico 2 - Anestésico. James, uma fisgada pra anestesiar.
Inicia-se a abertura do corte por onde fora introduzido o catéter. Reclamo:
Eu - Tá doendo.
Médico 1 - Como você não reclama da dor da agulha, só do bisturi?
Eu - A agulha também dói, mas não se compara a um corte com bisturi.
Médico 2 - Mais anestésico.
Entra na sala o Cirurgião Vascular.
Cirurgião - Já retirou um catéter de tenckhoff?
Médico 2 - Não.
Cirurgião - Encontra a base, solta, puxa um lado para a esquerda o outro para baixo. Não precisa abrir tanto, basta a base.
Eu - Ai.
Cirurgião - Tem dor. Deram água pra ele ou anestésico? Resolvam isto.
Médico 2 - Mais anestésico.
Desisto de reclamar da dor e, de fato, passou um pouco, mas sinto suas mãos me cortando, separando minhas entranhas. Sensação estranhíssima. Reclamo da dor novamente.
Médico 2 - Essa lâmina é ruim. O bisturi elétrico.
Vou sentindo, ainda que distante, o bisturi percorrendo meu corpo. Os médicos não encontram a tal base do catéter. Cortam-me mais. Cirurgião volta à sala.
Cirurgião - Não precisava abrir tanto.
Médico 2 - Não encontro a base.
Cirurgião - É esponjosa.
Médico 2 - Aqui.
Médico 1 dá um puxão para a esquerda e sinto com se todo contéudo de meu abdome subisse. Mas ele retira a primeira parte do catéter. Médico 2 puxa para baixo e sinto tudo subir novamente. Catéter não sai. Argumenta que está preso em alguma parte. Cirurgião volta à sala.
Cirurgião - Puxe, doutora.
Médico 2 - Não solta.
Cirurgião - Puxe.
Sinto tudo subindo novamente, uma, duas vezes e, finalmente, sai o restante do catéter. Mas não acabou. É preciso suturar. Não há mais nenhum vestígio de anestésico em meu corpo. Peço mais. Médico 2 pergunta meu peso. 52 Kg. Não posso dar mais, já foram 20 ml. Vai assim mesmo. Sinto a agulha perfurando meu corpo, fio sendo passado. Encheria a página com tantos ais. Um grito mais alto, a informação de "acabou". Se fosse pra confessar um crime o teria feito há muito tempo, sem nem mesmo ter visto a vítima, falo para Médico 2. Com ar de solidariedade falsa, Médico 1 fala "sofreu bastante". Minha vontade era ter forças pra arrebentar a cara dele. Médico 2 me consola com "ao menos livrou-se desse catéter incômodo". Graças a Deus.
(Esperava desde 19 de maio por essa ciirurgia que foi realizada dia 24 de junho. Quase nada)
(Esperava desde 19 de maio por essa ciirurgia que foi realizada dia 24 de junho. Quase nada)
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