quinta-feira, dezembro 23, 2010

Carta a Papai Noel

Caro Papai Noel:

Esta é a primeira vez que lhe escrevo. Sei que quando criança, sempre procurei me comportar bem. Não fui lá um aluno dedicado nem um filho de encher os olhos de minha mãe, mas também nunca recebi sua visita, a não ser aquela vez que o senhor me deixou um tratorzinho de plástico. Gostei muito, apesar de que o senhor deveria saber que eu gostaria mesmo de receber um kit de Xerife, com revólver, chapéu, cartucheira; e que o revólver tinha que ser de espoleta, porque o som de tiro ficaria mais real, como nos filmes do Daniel Boone.

Dizem por aqui que o senhor não existe. Não acredito em gente sem ilusões. São vazios demais para que eu os leve em consideração. Se o senhor não existe, porque tem tantos nomes? Seja como for, a Lapônia existe, então, o senhor deve morar lá mesmo e pode realizar os sonhos.

Quando estava decidido a escrever minha carta deste ano, pensei que o senhor só atende a pedidos de coisas materiais e, apesar de não ser rico, não ando sentindo falta de nada destas coisas e achei que não haveria mal nenhum em pedir um rim. Sim, estou muito cansado das sessões de hemodiálise que me deixam fraco e infrutífero, sem paciência e ânimo para realizar as tarefas que, parece, foram redobradas desde junho de 2006. Na verdade, viver sobre essa linha tão fina entre vida e morte me deixa assustado e também não suporto mais ver as pessoas que são as companhias nesta jornada partirem de forma tão abrupta: quando tento me reconfortar com a partida de um outro já vai e vou ficando cada vez mais aterrorizado.

Enfim, mesmo sabendo que seria complicado ganhar o presente, acreditei que não havia porque temer pedir. Mas minha vida tá parecendo novela do Sylvio de Abreu: todo capítulo uma tragédia a me enlouquecer e daí a única resolução para o Ano Novo que ouvi foi a de um médico me prometendo que começará 2011 realizando uma cirurgia no meu coração, uma coisa que eles falam, com tranquilidade e certa frieza: "cirurgia de peito aberto".

Nossa, Papai Noel, fiquei com tanto medo que nem o Diazepam ajuda a controlar! Mas irei em frente, não há outra alternativa.

Então, ao invés do rim, gostaria que o senhor me desse um alívio e forças para suportar mais esta dificuldade. Sei que o senhor não é Deus. Dizem que o senhor é pagão. Não sei o que isto quer dizer. Só acredito que o senhor deve ter alguma intimidade com Ele, pois o senhor traz alegria para muitos e foi amar a todos que o Filho d'Ele ensinou a fazer. Entendo que tenho que ser bom com todos e não sei fazer isto. Amo com maior facilidade a Clara que o Fred, mas eles não vão ganhar presentes, eu sei. Ando agindo um pouco melhor que eles, sendo comportado e calmo na medida do possível.

Bem, Papai Noel, é em cima da hora que escrevo, mas perdoe-me. Só hoje pude ter consciência que era necessário pedir o que me faz falta senão nunca receberia nada.

Obrigado e bom trabalho na noite de sexta.

James Fernandes

P.S.: O senhor sabe onde moro, não precisa do endereço.


Um comentário:

Jacquelini disse...

Meu amigo James, não somos o papai noel, mas olha o meu sangue e B+ se servir cara, estamos ai. Mas o maior presente que temos e você ai lutando e ainda nos consagrando com a sua amizade, seus textos, sua ironia...enfim. Um beijo