sexta-feira, outubro 15, 2010

De ônibus 2

O que me levaria a uma viagem de ônibus, num calor de quase quarenta graus, hoje pela manhã? Acho que quis testar se suportaria sem cambalear, sem desmaios e afins. Fui e sobrevivi, por pouco, mas consegui. Ao chegar no ponto, me deparei com a enormidade de pessoas aguardando - não me afligi. Sempre há a possibilidade de ouvir histórias interessantes. Não houveram.

Curioso observador, reparo na moça com jeans azul e camiseta verde, alça do sutiã à mostra (quem se importa com isto no calor quase de inferno que anda fazendo no Acre). Ela movimenta o cabelo, levanta, solta, suspira, me lança um olhar desesperado como a dizer: "não suporto mais"; abaixa a cabeça sobre o vidro que separa a cabine do motorista e percebo que chega ao fim de suas forças. Ela luta, bate os pés, suspira, me olha novamente - o mesmo olhar desesperado pedindo cumplicidade. Falamos sem mover os lábios sobre o quão insuportável está a viagem. Estamos em lados opostos à catraca.

Um braço, incrivelmente frio, me toca. A  moça usa uniforme de uma empresa. Afasto - ela pode pensar que estou me aproveitando para roçar-lhe o braço. Ela o faz novamente. Me fala sem palavras: "posso comentar o que quiser com você, mas não farei". Não insisto. Minha paixão está direcionada à moça da frente aflita de calor, que me olha uma terceira vez. Pensa ela, certamente, que estou encantado com sua beleza. Engano: quero a cumplicidade dela no sofrimento.

Uma aluna toma a iniciativa de abrir caminho sem pedir licença. Corpo magro, desvia-se dos demais e atinge o final do ônibus. É engolida pela multidão. Não a verei mais durante a viagem,

Gosto da idéia de que mais alguém acumulou uma história em que serei personagem...

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