domingo, setembro 05, 2010

"Beber deve ser sem motivo"

A primeira vez que estive em Recife, cidade que amo pelas pessoas, seu sotaque, um jeito que considero diferente de ser brasileiro, fiz da viagem a coisa idiota de turista vindo do interior da Amazônia, mas acabei visitando uma casa de cultura que anteriormente era uma prisão. Na verdade, era um conjunto de lojas com artigos característicos do folclore local, da cozinha pernambucana. Enfim, era um encontro com o "recife way life". Os endereços eram informados assim: loja de sucos na cela 102 e assim por diante.

Foi lá que provei pela primeira vez um suco de acerola, fruto que nunca havia visto por aqui e provei outros tantos que, infelizmente, foram esquecidos. Lembro da moça simpática e sorridente - diria que era linda, mas eu era muito jovem e estas avaliações são recheadas de hormônios nessa fase.

Acredito que visitar nas cidades os "pontos turísticos" famosos faz parte da viagem, mas não nos permite dizer que conhecemos a cidade. Para tal, é preciso sentir o "cheiro do povo", ainda que, por vezes, não seja tão agradável em alguns lugares. Foi assim quando estive na Bolívia  a primeira vez: optei por ir a um mercado local, provar da comida, conversar, ainda que nessa fase em "portunhol", com os patrícios. Saí do local com a sensação clara de ter conhecido todo o país, embora tivesse visitado uma pequena cidade.

Mas, voltando ao Recife, e desta vez disposto a realizar nova etapa do conhecimento, acabei por ter grandes momentos de depressão. A escolha do período para a viagem, se posso chamar "escolha" já que estava fugindo um pouco de problemas e frustrações, levou-me a buscar alternativas de conhecer outras formas de organização. Desta vez, em um bairro em que necessitava apenas de cinco minutos de caminhada pra chegar à praia de "Boa viagem", numa manhã, resolvi dar uma circulada pelos quarteirões próximos. Vi quatro academias de ginástica, alguns restaurantes - tinha até restaurante típico do Pará, quatro bancas de revistas. Era dia sem praia, então o segredo era: comprar uma revista, depois almoço e volta pra casa.

Chegando lá, descubro que as bancas de revistas funcionavam como os "botecos" em Rio Branco, com o acessório da informação prensada; ponto de encontro para se beber, conversar e ficar infomado. Numa destas, conheci o vendedor Aldo, torcedor caloroso do "Santa Cruz" que me apresentou outro cliente seu, Sebastião Nelson, de quem, de imeditado, tornei-me amigo.

E passamos muitas manhãs nesse árduo ofício de acordar, ir tomar o café da manhã na banca de revista do Aldo, beber bastante - eu, skol; ele, whisky, e falar sobre todos os assuntos como grandes sociólogos discutindo temas diversos.

Passadas algumas semanas e tomado pela lembrança constante do que me esperava na volta para Rio Branco, fui até a banca e... Nada de Sebastião Nelson, nada de alegria, tudo de tristeza. A cerveja de sempre e uma falta inusitada de vontade de conversar. Beber era o que interessava pra esquecer o mundo.

De repente, como nestes casos de aparição de "espíritos superiores", um senhor calmamente diz "bom dia", senta, pede uma cerveja gelada e Aldo, falante como sempre:

- James, esse é "seo" Nelson, pai de Sebastião.
- Como vai, "seo" Nelson?
- Tudo bem. E você, parece meio abatido.
- É verdade. Problemas demais.
- Sim. É motivo pra beber. Nunca beba se tiver motivo. Beber deve ser à toa, em vão, só pelo ato e o prazer de beber.

A estas palavras nada havia a contestar, debater ou desmerecer. Assim, continuamos a conversa, esquecidos os problemas, e nos embriagamos até o final do dia.

"Seo" Nelson não vi mais; a lição ficou.


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