sábado, setembro 18, 2010

Pra quem gosta, catinga é cheiro!

Sempre atribuí esta frase a Chico Anysio. Acredito, que mesmo cheia de humor, ela encerra a verdade do amor: quem ama, não fica reparando em certos detalhes não tão formosos do outro, não leva em consideração seus mais estranhos defeitos, nem as cicatrizes que, porventura existam. Quem ama, ainda que não pareça a olhos distantes, não analisa o amado como um ser que deva ser compreendido por outros. Só ao amante cabe a profundidade de se saber capaz de amar a imperfeição e compensar o que pareça destoar.

Por vezes demasiado grandes me deparei com esse "dilema". Se, por um lado, teimava em procurar o que me parecia mais belo por outro, fui confrontado com meu estado de "mamulenguice" e, coisa de gente descerebrada, sofri com a ausência de atrativos físicos. Aprendi que se saber feio compreende capacidade de ser melhor que a concorrência, ter mais conteúdo e praticar, com todas as forças, "a arte da guerra”.

Não se desespere! Este blogue não é de auto-ajuda. Ou é. Para mim, somente. Ele me auxilia a suportar a solidão, o tédio, a falta de energia e a teimosia do meu corpo em oposição permanente ao cérebro. Ele é meu diário e essa conversa toda é pra contar outro momento da vida que recordei nos últimos dias.

Lembrei, em meio a tantas coisas, que previ, aos treze anos de idade que viveria somente até os trinta e cinco. E que agonia foram os trezentos e sessenta e cinco dias que antecederam! E não ficou aí. Como bom vidente, justifiquei o fato de continuar vivo com uma interpretação equivocada do tempo: restavam os trezentos e sessenta e cinco dias até os trinta e seis anos. Minha capacidade de criar crises vem de longa data.

Superada a amarga previsão, refleti sobre minha real condição com as mulheres. Meu corpo clamava por um contato com elas. Observando o movimento das meninas lá pela COHAB do Bosque, compreendi que jamais aconteceria ter uma namorada – esse era o verbo empregado mesmo: TER. Anos depois é que conseguiria montar a frase corretamente. Esposa, então, inteiramente improvável. Quase todas as noites, sentado em uma mureta na esquina da minha rua, lua sempre visível àquela altura, notava a chegada dos rapazes dentro de seus carros bonitos, suas roupas caras, sua música romântica, pensei: não é pra mim; não tenho carro, não sou bonito, não tenho dinheiro. Minha sina é permanecer sozinho.

Era preciso uma alternativa. Não estava disposto a permanecer sozinho. O que poderia ser feito para suprir a ausência do material e do belo? Aumentar o conteúdo que as encantava!

Passei a devorar as revistas destinadas ao público feminino, todas as fotonovelas disponíveis, revistas que falavam da rotina de atores famosos e as grandes polêmicas do primeiro beijo, da primeira vez; os testes sobre o par perfeito; dicas sobre comportamento sexual e por aí afora.

Aguardava ansiosamente a chegada das revistas toda semana. No dia certo, no momento exato, ia à casa da minha amiga e lia tudo, logo depois que ela o fazia. Era divertido, mas trouxe à tona a questão: como é que se beija? Acho que hoje em dia estas questões não estão mais importunando nenhum adolescente, mas estamos falando de 1979, época em que os meninos treinavam beijo no espelho ou com uma laranja. Falar a verdade? Preferia treinar no braço: tinha gosto de gente. Lia, guardava, treinava, planejava. E aguardava muito. E, tão idiota que era e sou, nem percebi que já surgira a pessoa desinteressada do palpável e ardendo para conhecer os caminhos tenebrosos das palavras, dos gestos, das promessas que não poderiam ser cumpridas, mas que faziam muito bem à alma.

Ela se chamava Tereza e não havia sequer reparado na existência dela. Baixinha, pele clara, cabelo aloirado, nada que chamasse a atenção. Invisível, portanto. Outras tantas vezes fui cobrado com a frase “eu era invisível pra você”. As mulheres guardam tantas coisas sem importância em seus armários!

A vez que notei a ausência dessa menina, ela já viajara há mais de um mês. Eu estava muito empenhado nos “estudos”; não havia como notar alguém. Era época em que, se nossos pais tinham condições financeiras, parentes em uma cidade maior, você ia “estudar fora”. Ensino fraco numa cidade pequena. Necessário criar oportunidades melhores. E Tereza chegara a este ponto da vida do adolescente acreano nos anos 1970.

As noites continuaram normais: as mesmas conversas com Américo e Raquel, a mesma paisagem, a mesma percepção sobre as meninas e seus namorados motorizados, as incontáveis horas de leituras, a exaustão pelo vai e vem dos assuntos nas revistas. Comecei a achar que estava preparado, mas precisaria “testar” se teria êxito na incursão.

Sentado na velha mureta de guerra, vejo a menina caminhando, corpo atraente - quase todos são aos treze anos de idade. Ao passar por mim, o “oi, James” soou como “eu sou invisível, você não”. Cabelo mais claro ainda, mas a mesma baixinha. Estava ali a cobaia? Não. Ela era linda e jogou por terra todo o estudo, todo o investimento, toda a minha pretensão. E trouxe à tona que a questão não estava nos carros, no dinheiro, na beleza – ou na ausência dela: eu era um covarde e não sabia como falar com uma menina, ainda que soubesse me expressar com certa correção gramatical.

Tempo de silêncio e solidão, diria um poeta romântico. Mas o foi mesmo! Alimentei a amargura com banquetes esplendorosos, tornei-a forte o suficiente para derrubar qualquer D. Juan, capitulei como um Comandante que vê o navio naufragar. Não sabia definir que sentimento era aquele, dei-lhe o apelido de paixão. Não mais sentei na mureta, mudara o local para a entrada da minha casa; era preciso vê-la passar para poder criar coragem e falar. Uma, duas, três, quatro vezes e... nada.

Uma noite, no início desta, perdidas as esperanças da passagem, já preparado para entrar, ela para, inicia a conversa com “oi, tudo bem”, fala coisas sobre a cidade onde estuda e não se cala, e não oferece oportunidade, e não parece respirar, e eu perco todo o conteúdo adquirido nas revistas, e quase nem percebo quando ela diz “já vou”. Num ato de ousadia “quixotiana”, digo “vou com você, é tarde”. Ela abre um sorriso, vamos até lá. Nada é dito. Beijo meio sem saber bem o que fazíamos. E percebo que os contos de fada são verdadeiros: as princesas beijam os sapos, ainda que estes coaxem desafinadamente.

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