quarta-feira, janeiro 06, 2010

A visita (das Crônicas de Clonazepan)

Não há pressa. Mansamente, com três pessoas da família que ignoro porque estão juntas, entra sem dizer palavra. Senta-se no chão do quarto - não há cerimônia e, assentada ali, silenciosa, diz-me muito. Olho-a como quem fita um ser de outro planeta; como se fosse eu plano e ela possuidora de quatro dimensões. Ela, descritível: olhos negros, cabelos curtos que escondem a nuca, pele inexplicavelmente suave. Por que senta ao chão? Humildade, disponibilidade, demarcação de território? Fita-me. Não como quem olha piedosamente; desejosa, quer a mim; reconhece-me a fragilidade, a angústia, o medo. Nada teme e isto me encoraja. Shorts índigo, sem sapatos, sem maquilagem, despida de atrativos físicos. E sorri. Um sorriso tão largo e profundo que se vê o indizível: a alma. As três pessoas conversam animadamente; eu não estou aqui para eles; eles não estão aqui para mim. Apenas dois e o universo sofre o big bang, a vida começa. Ao que inicia o processo chamo amor, mas não sou bom em nomear, portanto, pode ser outro. Mas qual e por que seria? Nada digo eu. Ela me beija, as três pessoas tagarelam, fico sem ar, procuro o descongestionante nasal, alguém o mudou de posição, busco outro beijo, ela se oferece numa entrega inédita e me consome as forças, vencido o covarde, nascido o homem. Com a mesma mansidão ela se vai. “Eu volto”, é o olhar quem diz; a boca só fala aos beijos. As três pessoas continuam a tagarelar; não as compreendo. O universo faz silêncio pela primeira vez em seu existir. Não sei seu nome. “Me chama SONHO; vou gostar de saber que sou o teu.”

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