sexta-feira, dezembro 04, 2009

Outra...





A Parashat Bereshit, a primeira porção da Torá, relata que ao existirem os primeiros seres humanos vivendo sobre a face da Terra, ocorreu o primeiro ato de violência entre os mesmos: a morte de Hevel (Abel) pelas mãos de seu irmão  Cain (Caim). Por não se tratar de um relato jornalístico, nem de material a ser analisado por douto juiz, não há esclarecimento dos motivos nem dos mecanismos utilizados para a prática do homicídio ali relatado.

Se nos utilizarmos de nossa imaginação, poderíamos concluir que houve uma discussão entre os dois sobre a severidade com que Deus realizou o julgamento das oferendas a Ele dedicadas, concluindo que a de Cain fora inferior a de Hevel.  Assim, Cain questionou que não havia justiça neste mundo nem no vindouro e, portanto, os justos não seriam recompensados e os perversos punidos afinal, ele havia feito o seu melhor. Havendo a discordância, a decisão foi clara: morte.

O diálogo é apócrifo, o fato é concreto: não haviam justificativas para se tirar a vida de outro por serem as opiniões conflitantes. Cain não sabia viver o contraditório e, independentemente da existência de um Ser Supremo que tudo vê, tudo sabe, tudo conhece, não pode haver racionalização humana para satisfazer a busca dos nossos próprios desejos básicos.

Nos últimos dias soube da justificativa de um rapaz preso por tentativa de assalto que me surpreendeu. “ Pô, senhor, quero um tênis de marca e ‘num’ tenho!” Sim e eu tenho? Como consegui? Por que consegui? Qual é a racionalização que faço do evento de possuir um tênis de marca diante da vida?

Não creio ser necessário buscar nos ensaios dos sociólogos, psicólogos, psiquiatras, políticos e afins explicações para o crescimento da violência: ela se resume na vontade de possuir, na territorialidade, no descaso com o que tem significado. E leis sendo feitas e reformuladas, juízes punindo com extremo rigor coisas fúteis, deixando impunes coisas relevantes. E vamos criando programas sociais, buscas sociais, projetos sociais, sonhos sociais sem oferecer o básico: o mundo é um só, a vida, uma só. Os sonhos são individuais, mas não vale tudo para consegui-los nem passarão de sonhos se os sonharmos individualmente, como diria Raul Seixas.

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