sexta-feira, dezembro 18, 2009

Testamento

Quero começar nossa conversa de hoje, nossa última, furtando uma frase de Markus Zusak.


“O assaltante é um mané”.


Há um tempo, me fiz várias perguntas. Questionei os motivos, ainda que de forma inconseqüente, de que um ser superior a mim permitiu que cada coisa desagradável tivesse me ocorrido na vida. Decidi-me por um ser – e a ele dei o nome de Deus, que poderia, se quisesse, livrar-me de qualquer sofrimento, mas não o fazia, não fez. Intuí, mediante as análises por vezes equivocadas de familiares e amigos, que era justiça sendo feita contra atitudes impensadas minhas, contra meu comportamento ferindo os conceitos dele (o Deus) e, portanto, o sofrimento me traria de volta à realidade dos fatos: abriria mão de ser um “mané”, me tornaria um ser humano, não um homem, no sentido mais restritivo da palavra “homem”.


Tinha os por quês, mas desconhecia completamente os porquês.


Quando me vi desprovido da capacidade laboral, da capacidade locomotora, da capacidade de tomar minhas próprias decisões, deparei-me com o pior de mim. Ao mesmo tempo, não sem um muito de angústia, desvendei o mistério: nas proximidades da amargura do ‘não posso’ reside a docilidade do ‘isto ainda posso’.


Não posso mais a cervejinha; ainda posso a água.
Não posso mais o sal; ainda posso o doce.
Não posso mais o sexo; ainda posso o amor.


Sim. Você está lendo o testamento de um homem morto. Amanhã, você não me encontrará mais aqui. Hoje é o dia do meu falecimento, que é uma palavra assustadora para os que permanecem e bem mais assustadora para os que vão. É, eu morri! Hoje, dia 15 de dezembro de 2009, às 17 horas. E desta vez, podem mesmo rezar a missa. É a mais pura verdade. O que você está tendo é uma experiência sobrenatural e não há nada que eu possa fazer para mudar tal coisa. Você é o sensitivo. Eu, apenas o resultado de sua vocação.


Tive, durante os momentos de crença na necessidade de adoecer para aprender algo, a ilusão de que era um mensageiro da mudança. E, enquanto cada coisa boa ou não ia acontecendo, ia eu recebendo mensagens. Para quem as cartas haviam sido endereçadas não me foi dito; apenas que as entregasse, imaginando que tais palavras serviriam para tais pessoas. Vi lágrimas, sorrisos, alardes, espantos, esperança, fé, coisa alguma, fiz diferença, nenhuma, conheci cada detalhe, por mínimo que fosse, do ser humano. Perdi a crença nele e a recuperei. Perdi novamente e novamente a encontrei. Busquei, não encontrei, mas vi muito.


Agora parto sem assombro, sem estardalhaço, enquanto você se informa através deste relato tão diminuto, entretanto pleno de verdades sobre o que fui.


Amei cada pessoa à minha maneira – o que se demonstrou malfazejo, pois alguns sofrimentos foram sendo derramados pelo caminho. Não achei nas palavras dos acadêmicos nada que confortasse meu coração, portanto, não as guardei. Não me entreguei à verdade do amor, só ao erotismo. E ainda ardo pela mesma pessoa como se fosse um adolescente engatinhando pelos caminhos do amor sonhado. Fui um “mané” em todas as minhas decisões e, portanto, nada deixo de palpável.


Agora, gostaria de deixar uma frase que pudesse fazer a diferença nas vidas que ficam, mas não tenho as palavras certas. E já que comecei furtando-as a Markus Zusak, umas a mais não aumentará tanto a dívida.


“Eu não sou o mensageiro.”
“Eu sou a mensagem.”


Adeus!

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